Tatiele Novais
Os padrões de beleza instaurados nas sociedades e as tendências aos modismos são formas de se instaurar discursos predominantes nos meios sociais em que esses discursos circulam, por meio do verbal ou do não-verbal. As concepções de belo variam ao longo da história da humanidade sendo instável o conceito que define o que vem a ser belo, pois tal concepção se modifica conforme o contexto sócio-histórico dos sujeitos e grupos sociais.
Os enunciados se diferenciam sempre, pois são únicos, entretanto, a carga semântico-ideológica se assemelha como (re)significação de discursos sobre padrões de beleza e valores fixados nas mais diversas esferas histórico-culturais. Os padrões semiotisados pelo discurso, como na vida, são respostas dialógicas aos modelos instaurados no decorrer da história. Um novo padrão surge em oposição ou complementaridade a um existente e se firma uma imagem recriada e valorada como ideal em uma “cultura da beleza”.
Em o Mito da Beleza, Naomi Wolf expõe como as imagens da beleza feminina são uma arma política contra a evolução da mulher e, apesar de abordar a questão da beleza relacionada à mulher, é possível, por meio das reflexões de Wolf, compreender a beleza como convenção social. As ideias acerca da “beleza” evoluíram a partir da Revolução Industrial, lado a lado com ideias relacionadas ao dinheiro, de tal forma que as duas atitudes são praticamente paralelas em nossa economia de consumo.
Desde a Revolução Industrial, as mulheres ocidentais da classe média vêm sendo controladas tanto por ideais e estereótipos quanto por restrições de ordem material. À medida que as mulheres se liberaram da mística feminina da domesticidade, o mito da beleza invadiu esse terreno perdido, para assumir sua tarefa de controle social. A “beleza” é descrita como um sistema monetário, e como sistema, ela é determinada pela política de uma sociedade patriarcal, que instaura um modelo de beleza de acordo com um padrão físico imposto culturalmente.
A invenção de tecnologias de produção em massa, como as fotografias, que sugeriam imagens de como deveria ser a aparência das mulheres, imagens de “belas” mulheres apareceram em anúncios. As reproduções de obras de arte clássicas também chegaram à esfera íntima. Cartões-postais com beldades da sociedade invadiram a esfera isolada à qual estavam confinadas as mulheres da classe média. O mito da beleza ocorre de maneira a interferir e determinar o comportamento dos sujeitos quanto à sua aparência física.
A juventude e a beleza estão relacionadas, de forma intrínseca, à disseminação de imagens ditas ideais, o que ocasiona a busca de figuras-modelo e, por exemplo, temores como o do envelhecimento. Esse impasse na vivência cotidiana é recorrente e colabora para compor retratos de modelos de beleza por meio do uso dos cosméticos e das cirurgias plásticas estéticas. As transformações do corpo e do vestuário na cultura da beleza são ocasionadas por valores instituídos socialmente mediante a imagem do sujeito que, muitas vezes, é confundida com sua identidade.
A representação da beleza dissemina imagens de um ideal inatingível, irreal e artificial, principalmente na contemporaneidade, quando revistas, filmes, livros e a cultura em geral produzem e reproduzem no mercado da moda e da arte uma beleza ilusória, instaurando na sociedade a necessidade de se enquadrar em modelos e padrões cada vez mas rígidos e doentis. As sociedades impregnadas por uma ideologia de grupos que ad constituem, fazem da beleza um signo ideológico representativo, pois a idealização da beleza está sempre presente no âmbito social se propagando por meio dos discursos, principalmente aqueles que visam o mercado econômico movido pelos produtos de beleza e recursos ligados à estética do corpo. As propagandas se mostram, nesse sentido, discursos eficientes para propagar valores ideológicos acerca do belo na sociedade contemporânea.
As mídias podem instaurar na sociedade um padrão ou padrões de beleza “aceitáveis” e, ao mesmo tempo, dar voz ao sujeito que não pertence a tais padrões de acordo com seus interesses. Assim, aparecem discursos que respondem de maneira favorável ou não favorável aos padrões instaurados, a fim de combater ou aceitar o discurso único acerca da beleza ideal, trazendo à tona o constante embate de diferentes valores ideológicos. Mediante essa constatação, surgem as questões acerca do que é belo mediante o individual e o social e como o discurso da beleza está arraigado na sociedade contemporânea, na qual homens e mulheres estão inseridos no contexto de cobrança sobre a aparência física. A beleza pode ser vista, então, como conceito instaurado e constituído por meio da sociedade e das relações entre sujeitos e grupos sociais. Relações de poder, inclusive.
O enunciado é concebido como unidade de comunicação e de significação, necessariamente contextualizada. A noção de enunciado tem papel importante na concepção da linguagem, tal qual concebida pelo pensamento bakhtiniano. O enunciado está repleto de ecos e reverberações de outros enunciados. Desse ponto de vista, um enunciado responde a outro. Assim, um enunciado que traz valores relacionados ao padrão de corpo ideal como sendo o magro pode ser retomado e confrontado por outro, que afirme o corpo ideal não é o magro etc. Essa tentativa de incorporação dos enunciados colabora para a criação de novos enunciados, com valores ideológicos diferentes, e que se confrontam em constante diálogo.
Para ilustrar a questão dos valores que permeiam os discursos sobre a beleza, discuto acerca de um vídeo[1] que apresenta uma sequência de imagens sobre propagandas com mulheres magras consideradas belas e com corpos “perfeitos”, remédios, cirurgias plásticas e, em seu término, apresenta a frase “talk to your daughter before the beauty industry does” esse enunciado é impactante, pois carrega uma valoração ideológica acerca da indústria da beleza como causadora de danos a “a sua filha” que significativamente, remete, de uma maneira geral, ao fato de a indústria da beleza causar danos (como bulimia e anorexia – muito disseminadas, especialmente entre jovens e, em particular, entre meninas) ao disseminar um padrão de beleza ideal ao seu alvo principal, as mulheres (adolescentes ou não).
O vídeo faz um alerta sobre o discurso que influencia a busca da aparência perfeita influenciada pela indústria da beleza. Discurso esse que não só instaura um padrão de beleza ideal como o tenta vender. O vídeo em questão apresenta uma resposta ao discurso da indústria da beleza, questionando os valores que esta propaga. As reflexões que esse vídeo suscita permitem entender as formas de representação dos valores ideológicos constituintes dos discursos que envolvem a “cultura da beleza” e como eles estão presentes no cotidiano e em nossas vivências.
O discurso como “arena onde se digladiam valores sociais” semiotisa a vida, com seus valores, revelados por meio do signo ideológico. Sendo assim, os valores ideológicos relacionados à beleza fazem parte da constituição do sujeito, que se dá na relação com o outro, de maneira responsiva e responsável. Essa relação é estabelecida no âmbito social, esfera onde os discursos dos padrões de beleza são construídos e fixados. As escolhas resultantes do posicionamento diante os discursos da “cultura da beleza” podem colaborar ou ratificar constituições de sujeitos ou críticos, mediante discursos de padrões pré-estabelecidos; ou vítimas de padrões que carregam valores ilusórios e fabricados acerca de uma “beleza ideal”.
Referências bibliográficas
BAKHTIN, M. M. (VOLOSHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1997.
___. Discurso na vida e discurso na arte. Mimeo (Circulação restrita para fins acadêmico), s/ referências.
BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro e João Editores, 2010.E-Book.
WOLF, N. O mito da beleza. Tradução de Waldéia Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. E-Book.
[1]Link do vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=9zKfF40jeCA
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