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Ocupar ou invadir: relações exotópicas nas manifestações anti-Alckmin no Estado de São Paulo

Marco Antonio Villarta-Neder/ GEDISC-UFLA[1]

invasão

Foto extraída e recortada de O Estado de S. Paulo.


                A reorganização das escolas públicas do Estado de São Paulo, feita pelo governador Geraldo Alckmin tem suscitado protestos por parte principalmente dos alunos dessas escolas, com apoio de vários outros segmentos da sociedade. Nesse contexto, quase 200 escolas foram ocupadas por movimentos articulados de alunos de Educação Básica das escolas públicas paulistas.

                Nas últimas duas semanas houve intensa repressão policial, principalmente nas situações de protestos dos estudantes em vias públicas. A foto acima foi veiculada no dia 04 de dezembro de 2015 e refere-se a uma dessas manifestações.  A proposta desta postagem é discutir, sob o ponto de vista do Círculo de Bakhtin, as relações exotópicas no cartaz em destaque na foto acima no enunciado “A gente ocupa / A polícia invade”.

                No decorrer do século XX, diante dos conflitos em torno da questão da terra, estabeleceu-se uma dicotomia em relação aos termos ocupar e invadir. O termo ocupar é utilizado pelos movimentos que entram à força em um território e o termo invadir é utilizado para designar, do ponto de vista dos proprietários do território, a ação de quem o adentra à força sem deter os direitos jurídicos de posse sobre ele.

                Para Bakhtin a relação exotópica (ou de distância, na tradução do russo) é a determinação inevitável que o outro na constituição de cada sujeito. Assim: […]  não posso agir como se os outros não existissem: saber que o outro pode ver-me determina radicalmente a minha condição. (Bakhtin, 2003, p. 17)

                O que se pretende discutir nesse post é o jogo de relações exotópicas entre os lugares no mundo ocupados pelos sujeitos enunciadores do enunciado em questão e os sentidos estabelecidos na relação com esses lugares.

                Em primeiro lugar, vamos nos deter no termo ocupar.  Da perspectiva da historicidade dos sentidos, quem ocupa é aquele que não reconhece os direitos do proprietário juridicamente investido na posse do território. Ocorre, neste caso, que os ocupantes estão fora do território, excluídos de sua posse, seu pertencimento ou de sua utilização.

                No caso dos estudantes de Educação Básica das escolas públicas estaduais paulistas, a palavra ocupar estabelece inicialmente esse sentido. Ao ocuparem as escolas, reafirma-se a percepção de não pertencimento dos estudantes às escolas. No entanto, esses alunos estudam nelas. Passam boa parte das horas de seus dias no interior delas. Nesse caso, podemos ter dois sentidos: em um primeiro caso, teríamos um pertencimento que existia e que foi rompido por uma política de governo que os estudantes consideram que os alijam desse território; um segundo caso seria o de que já não haveria esse pertencimento antes.

                Vamos à análise do termo invadir. Quando está expresso no enunciado “A polícia invade”, a posição dos estudantes revela que os policiais não detêm os direitos sobre o território e o adentram à força. Há uma hierarquia de sentidos nesse caso. O mais evidente é o relevo ao uso da força pelos policiais. Mas há um outro, que merece atenção. Ao utilizarem o termo invadir para designar a ação policial (e é bom recordar que a polícia representa o Estado, o governo instituído), os estudantes estão se colocando no ponto de vista de quem reafirma sua posse do território invadido.

                Assim, de pelo termo ocupar os estudantes apontam um não pertencimento ao território das escolas, um estar de fora, pela atribuição do termo invadir às ações do aparato policial, os movimentos dos estudantes colocam-se dentro do território e colocam a polícia (e o Estado, representado por essa polícia) fora.

                É, portanto, desse diálogo entre o estar fora e o deslocar-se para dentro e enxergar o outro fora do território que constitui os sujeitos-estudantes como sujeitos políticos nesse contexto histórico. É na dinâmica desse diálogo com sua própria exterioridade em relação às escolas públicas que frequentam e da exterioridade do Estado em relação a essas escolas, que se constituem.

                Finalmente, cabe encerrar com outra reflexão baseada em relações exotópicas. Historicamente vários autores e setores da sociedade tem expressado preocupação com a disjunção entre escola e comunidade e com a situação de os alunos e os segmentos sociais a que pertencem não se sentirem pertencentes ao contexto escolar da escola pública.

                Um diálogo interessante entre lugares do mundo e sentidos pode ser percebido no momento dessas manifestações. Da alteridade com esse espaço-outro, estranho a seu lugar de constituição de sujeitos, os estudantes moveram-se para um lugar que os coloca no território da escola. E se é possível fazê-lo é porque dialogam com um lugar do Estado fora do território da escola. Nesse tenso diálogo com a exclusão das políticas do Estado, cumpre para eles estarem onde o Estado não está.  O sentido-outro, novo, é a percepção de que o lugar dessa ausência (a ser ocupado, portanto) seja exatamente a escola.

[1] Doutor em Letras (Unesp-Araraquara). Docente da Graduação em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Lavras. Coordenador do GEDISC (Grupo de Estudos Discursivos sobre o Círculo de Bakhtin) que, desde 2013 tem-se ocupado com análise de semioses não-verbais sob o ponto de vista bakhtiniano.

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