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A ideologia patriarcal no caso Jessé Lopes-Marco Antonio Heredia Viveros

Marana Luísa Tregues Diniz

No dia 31 de agosto de 2021, o deputado estadual Jessé Lopes (PSL-SC), famoso por sua defesa ferrenha às pautas bolsonaristas, como o porte indiscriminado de armas para civis e o uso de violência tanto estatal como individual para o combate ao crime em detrimento dos direitos humanos e fundamentais (Figura 1), compartilhou nos stories de sua conta de Instagram uma foto ao lado de Marco Antonio Heredia Viveros (Figura 2), condenado em outubro de 2002 pela dupla tentativa de homicídio contra sua esposa à época, Maria da Penha Maia Fernandes, em 1983, inicialmente por meio arma de fogo simulando um assalto, fato que a deixou paraplégica, e depois por choques elétricos no chuveiro – o que resultou, posteriormente, na criação da Lei 11.340/2006 de proteção da mulher contra violência doméstica e familiar –, afirmando, após quase 40 anos do crime e 20 anos de lutas pelo julgamento justo do processo e decorrente condenação[1], que a versão de Heredia para os fatos seria “no mínimo, intrigante”.

Figura 1: Jessé Lopes defendendo o porte de armas e pena de morte no combate ao crime em seu perfil oficial do Facebook

Figura 2: Jessé Lopes ao lado de Marco Antonio Heredia Viveros em seu perfil oficial no Instagram

Inicialmente, poderia parecer estranha a aceitação pelo deputado Jessé Lopes, defensor da pena de morte para criminosos, a aceitabilidade amigável de um condenado por um crime violento, como o de tentativa de homicídio, em seu gabinete para ouvida de sua versão do caso, uma vez que a culpabilização imediata, bem como execução sumária, inclusive de suspeitos, é recorrente no discurso bolsonarista – havendo o Presidente Jair Bolsonaro defendido, em entrevista com Leda Nagle, que “bandidos” sejam mortos na rua “igual barata” –, de modo que a abertura para a versão de Marco Antonio Heredia Viveros pelo deputado, poderia aparentar uma sinalização a uma posição ideológica oposta à sua, de defesa a uma postura pró-direitos humanos e dialógica, visando à maior compreensão da posição do outro pelo eu, por meio do que Bakhtin identificaria como o movimento exotópico de volta para o eu, para análise em planos ético e cognitivo (BAKHTIN, 1997, p. 46), após sua colocação no lugar do outro por meio do excedente de visão.

Entretanto, não é o caso, uma vez que o deputado, ao ser questionado, em sua conta do Instagram, sobre sua escolha em receber um criminoso condenado em seu gabinete, respondeu que o fazia tendo em vista que “o maior inimigo desse cara são as feministas” e afirmando não confiar em feministas, de modo que teria “curiosidade de ouvi-lo sim” (Figura 3). A ideologia dominante bolsonarista, ainda que superficialmente se coloque como contrária à criminalidade violenta, não o faz de forma generalizada, mas em benefício de um grupo social específico detentor de uma determinada característica de classe, raça, gênero e orientação sexual, seja ele o composto pelo homem, branco, de classe média alta, o que torna sua ideologia classista, racista e patriarcal, transformando indivíduos não detentores das referidas características e que opõem a essa ideologia, como pobres, não-brancos, mulheres e LGBTQIA+, em inimigos potenciais e, consequentemente, vítimas das violências bolsonaristas.

Figura 3: Jessé Lopes afirmando “não confiar em feministas” em sua conta do Instagram

Desse modo, cumpre frisar que Volóchinov, em Marxismo e Filosofia da Linguagem, destaca que todas as “formas de interação discursiva estão estreitamente ligadas às condições de dada situação social concreta, e reagem com extrema sensibilidade a todas as oscilações do meio social” (VOLÓCHINOV, 2018, p. 108-109), de forma que os valores sociais e ideológicos partilhados pelo grupo a que pertencem os sujeitos do discurso estão relacionados ao seu nível de envolvimento com o enunciado discursivo e, consequentemente, com sua significação para o interlocutor. No mesmo sentido, Saffioti afirma, em relação à violência contra a mulher, que a desigualdade entre homens e mulheres não é natural, dada, mas construída por uma tradição cultural, pelas estruturas de poder e pelos agentes envolvidos na trama das relações sociais (SAFFIOTI, 2004, p. 71).

Assim, na situação apresentada, envolvendo o emblemático caso de violência doméstica contra Maria da Penha, resultante em legislação de extrema relevância para o combate da violência de gênero, é, portanto, compreensível que a posição ideológica do deputado bolsonarista Jessé Lopes se identifique mais com o agressor do que com sua vítima, por se coadunar com a dos indivíduos dentro de seu grupo social determinado, em uma época e contexto determinado, e que partilham de seus valores ideológicos patriarcais, de violência contra mulheres, e excludentes.

De modo semelhante, também não causa surpresa que, após a repercussão negativa de sua postagem em grupos ideológicos distintos, resultante em uma manifestação formal de repúdio pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, o deputado estadual, mesmo apresentando justificando alegando a inexistência de corroboração de sua parte com a posição de Marco Antonio Heredia Viveros, em vídeo postado em seu perfil do Instagram, no dia 01 de setembro de 2021, continue reproduzindo sua fala anterior nos comentários.

REFERÊNCIAS:

BAKHTIN. M. Estética da Criação Verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

CÂMARA DOS DEPUTADOS DO BRASIL. Secretaria da Mulher repudia postagem relacionada à violência sofrida por Maria da Penha. Institucional, Secretarias, Secretaria da Mulher, on-line, 02 set. 2021. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/secretarias/secretaria-da-mulher/noticias/secretaria-da-mulher-repudia-postagem-relacionada-a-violencia-sofrida-por-maria-da-penha-1. Acesso em: 25 de set. de 2021.

COM EXCLUDENTE DE ILICITUDE, ‘bandidos vão morrer igual barata’, diz Bolsonaro. PODER 360, Governo, on-line, 05 ago. 2019. Disponível em: https://www.poder360.com.br/governo/com-excludente-de-ilicitude-bandidos-vao-morrer-igual-barata-diz-bolsonaro/. Acesso em 25 set. 2021.

DEPUTADO DIZ QUE “versão” de ex-marido de Maria da Penha é “intrigante”. PODER 360, Brasil, on-line, 31 ago. 2021. Disponível em: https://www.poder360.com.br/brasil/deputado-diz-que-versao-de-ex-marido-de-maria-da-penha-e-intrigante/. Acesso em 25 set. 2021.

DEPUTADO JESSÉ LOPES. Nota ao Público. Santa Catarina, Paraná. 01 set. 2021. Instagram: @deputadojesselopes. Disponível em: https://www.instagram.com/tv/CTSU8VqNRHl/. Acesso em 25 set. 2021.

DEPUTADO SE JUSTIFICA depois de postagem com ex-marido de Maria da Penha. PODER 360, Brasil, on-line, 01 set. 2021. Disponível em: https://www.poder360.com.br/brasil/deputado-se-justifica-depois-de-postagem-com-ex-marido-de-maria-da-penha/. Acesso em 25 set. 2021.

LOPES, Deputado Jessé. Por que bandido não rouba na favela?. 27 dez., 2019. Facebook: usuário Facebook. Disponível em: https://m.facebook.com/jesselopesoficial/photos/a.446564089123656/818986535214741/?type=3&source=57. Acesso em 25 set. 2021.

SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. (Coleção Brasil Urgente)

VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro: 34, 2018.

[1] O processo que se encontrava parado há décadas foi retomado após denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Esse fato, além das evidências de violência contra a mulher sistemática no Brasil, fez com que a OEA responsabilizasse o Estado brasileiro pelas referidas violações aos direitos humanos, por omissão, no caso de Maria da Penha, fazendo com que sua história se tornasse um marco, de modo a ser criada, em 2006, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), sancionada pelo então Presidente Luís Inácio Lula da Silva, que retirava a condição de crime de menor potencial ofensivo dos casos de violência doméstica contra mulher que não davam cadeia.

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