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A construção do (não)-álibi de si: a (não)-maquiagem como construção sócio-histórico-social da mulhe

Luciane de Paula e Ana Paula Lopes Cardoso

“A busca pela perfeição é construída de acordo com a cultura. Nós vemos isso de forma pessoal e, se não somos perfeitos, é nossa culpa. Algumas são mais influenciadas do que outras, capazes de buscarem medidas extremas para terem a certeza de que são vistas como perfeitas, mas devemos ver isso como uma doença, não uma virtude. Precisamos parar de elogiar aqueles que alcançam padrões próximos à perfeição porque, quando o fazemos, encorajamos essa busca.” (Robin Rice, escritora britânica idealizadora do projeto Stop The Beauty Madness, que se tornou desafio nas redes socais)

Ao refletir um pouco acerca da importância do físico em nossa vida cotidiana, nós nos colocamos a pensar sobre o papel que os cosméticos adquiriram na contemporaneidade. Ao estarmos, de certa maneira, imersas nesse universo, a partir da e graças à Pesquisa de Iniciação Científica intitulada “NATURA CHRONOS E AVON RENEW: a conquista do telespectador por meio de discursos opostos” (apoio FAPESP), acabamos por nos interessar por esse assunto, que muito tem nos inquietado. Mais do que isso até, talvez, a questão principal das nossas reflexões seja o julgamento que recai sobre as pessoas a partir do momento em que decidem mudar algo em seu aspecto físico que, de um jeito ou de outro, não lhes faz sentir bem por pressão social – a busca do corpo “perfeito”, estereotipado.

Como norte das reflexões aqui apresentadas e também como uma maneira de “pensar na prática” a respeito dos conceitos de construção (sempre social) dos sujeitos (o que envolve a questão da identidade e, claro, a da cultura), responsabilidade, ética e cronotopo, pensados pelo Círculo de Bakhtin, fundamentação teórico-metodológica a partir da qual aprofundamos as análises de peças publicitárias em nossa Pesquisa de Iniciação Científica, decidimos pensar na questão do “make” na influência da constituição das mulheres, a partir de uma peça publicitária da Natura e do desafio #StopTheBeautyMadness. A ideia é, com base em nossa atualidade e nas experiências vividas até aqui, refletirmos, a partir de um artigo (chamado “A estética da propaganda televisiva: o caso de Natura ´Una´”[1]) que escrevemos há dois anos, pensarmos a produção da beleza feminina, ou melhor, de determinado padrão aceito e almejado como “belo”, em detrimento de outras características reais e humanas. Pensando nisso também, Robin Rice propôs um projeto social denominado Stop the beauty madness (em português, Parem com a loucura da beleza), constituído por uma série de anúncios criados para chocar ao mostrar o que existiria por trás de tradicionais campanhas publicitárias (veja: http://www.stopthebeautymadness.com/). Ela define o seu projeto como social com os seguintes dizeres:

 “Bastam aos padrões impossíveis. Basta à imagem ideal. Além de tudo, basta ao sentimento de não se sentir o bastante quando se trata da nossa beleza. Chegou o momento em que uma cultura inteira de mulheres já se cansou”.

 Mais do que defender os diversos tipos de beleza, Rice ataca a preocupação por padrões inatingíveis: “Todo o foco é na aparência. E a educação? E a personalidade? E se fizer um bom trabalho no mundo?”, pergunta a britânica, segundo a Revista Claudia (contraditoriamente, uma das revistas que muito se volta à produção de padrões estereotipados de beleza e de satisfação sexual voltada aos homens).

Enquanto a peça publicitária da Natura Una traz manifestações culturais diversas para justificar a “naturalização” (produzida artificialmente pela mídia e incorporada por todos) do uso de maquiagem, o desafio lançado por Rice ganha as redes sociais, na contramão da indústria da beleza, muitas vezes, inclusive, de maneira não compreendida, já que a campanha aparece também transformada em desafio que, não cumprido, deve ser pago com cosmético! O interessante é como a escritora britânica utiliza anúncios publicitários para propor uma reflexão acerca da produção da beleza, manifestada pela própria publicidade. Ela utiliza o mesmo gênero discursivo para, a partir e por meio dele, denunciar a sua função. Segundo ela, em entrevista à Revista Claudia, ao responder sobre “Como a publicidade controla nossos pensamentos e reforça padrões” de beleza inatingíveis e artificiais, bem como se “Há um culpado”, diz:

“Imagens repetidas são uma forma de educação. Quando vemos algo repedidas vezes começamos a acreditar que é a realidade; o que não é. Mas nós naturalmente queremos fazer parte desse mundo – que eles fazem parecer convidativo e adorável – e sentimos que estamos fora do padrão, que devemos mudar para sermos aceitos. O problema é que esse ´mundo´ não existe de verdade fora das revistas. (…) Se o dinheiro é o ponto de partida, e é, e a publicidade é como se faz dinheiro, a culpa tem que vir dela. Entretanto, ter um culpado não nos ajudará. Cada mulher tem que decidir por ela mesma que deve ter sua própria ideia de beleza e verdade para que isso mude.”

 Apenas para comparar, como um exemplo, a produção de estereótipos de beleza, questionada por Rice, partimos de um comercial da Natura (poderia ser qualquer outro, de qualquer marca. Há peças publicitárias, inclusive, mais explícitas que a aqui selecionada ao que se refere à imagem estereotipada). Todavia, como o projeto de Rice tornou-se um desafio e ficou conhecido voltado, mais especificamente, ao uso de cosméticos (o que reduz a amplitude do projeto original, que diz respeito a diversos aspectos – como a anorexia, a obesidade, o racismo, a objetificação do corpo feminino etc), optamos por um comercial volta que se volta ao usos de cosméticos. A Natura foi a marca eleita por trabalharmos com ela em nossa pesquisa. O vídeo da peça é

 Esta é a peça de lançamento da linha de maquiagem Una, propagada como altamente tecnológica. Na primeira parte dessa propaganda são apresentados diferentes povos, representantes de suas culturas, em rituais caracterizados pela pintura do rosto, como mostram as imagens abaixo. Observamos a africana, a indígena, a “clássica” asiática (bailarina russa), a japonesa, a chinesa, a brasileira e a hindu (indiana):


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Esses “makes” são embalados pelo som intenso de tambores que remete ao universo tribal de diversos povos. Ainda na primeira parte dessa peça, as cenas revelam o resultado da arte (a pintura) que as mulheres acabaram de fazer em seus corpos (especificamente em seus rostos), como é possível perceber nas imagens que seguem:


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Depois de apresentar tantas culturas, com seus rituais de “pintura da cara” (do corpo), como características comuns de tantos povos espalhados pelo mundo, a propaganda chega ao seu ponto principal: a pergunta, posicionada pela marca, no meio da propaganda, centralizada numa tela preta, como mostra a imagem:


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A pergunta “De onde vem essa sua vontade de pintar a cara?” instaura na telespectadora (sim, no feminino, pois a peça é dirigida às mulheres e só apresenta mulheres como sujeitos-personagens em seu interior) um momento de reflexão que, com a sequência de cenas anteriormente exibidas, já carrega em si a resposta desejada: pintar o corpo (rosto) é um ato sócio-histórico-cultural. A justificativa que a telespectadora precisa para poder, num álibi pré-construído no interior da própria propaganda (que tem por objetivo central vender maquiagem de sua marca), convencer-se e persuadir-se acerca da “naturalidade” do uso da pintura no rosto, como algo “ancestral” e de muitas culturas, como marca identitária de feminilidade, está presente na construção de toda a primeira parte da peça. Como se a peça colaborasse (por pressuposição) para que a resposta à pergunta feita no anúncio fosse “a minha vontade de pintar a cara vem da minha história e do meu desejo ancestral de liberdade. Essa é a minha vontade de ser quem sou, independente de qualquer coisa. Esse é um desejo meu e faz parte da minha história e da minha cultura”. Perguntamos: será? Pensemos juntos.

O ato de maquiar-se é colocado na peça não só como um ritual de beleza, mas também como um ritual sócio-histórico-cultural. Isso justifica a liberdade de usar maquiagem? E o que isso tem a ver com o “desafio” lançado na internet, via redes sociais (especificamente no facebook), para que as mulheres “postem” “selfies” sem maquiagem? O que a “verdadeira face”, do rosto limpo, tem a ver com a “artificialidade” do “make” que tenta fazer das mulheres “Barbies” reais (ver: https://www.youtube.com/watch?v=Na_7QDkGmXU) e incute nas mentes das meninas, desde a infância, ser este o modelo padrão de beleza a ser seguido (quase que como uma seita – seita que estimula doenças de distúrbios alimentares a ponto de sites “ANAs”, assim conhecidos os chamados sites que estimulam o “estilo de vida” – assim denominado por seus idealizadores e seguidores – anorexo)? O ato de usar ou não maquiagem, seja ela qual for, cai em discussão exatamente por passar por questões identitárias de modelos de feminilidade, beleza e ousadia (no caso, o não-uso da pintura no rosto, dentre outras questões). A ditadura da beleza passa pelo “make” (ainda que não se circunscreva apenas a ele, obviamente) e isso tem a ver com preconceitos vividos no “mundo real”, como ocorre com o alisamento de cabelos e obesidade (desrespeitando as belezas pessoais e culturais dos sujeitos, tomados em sua heterogeneidade, em prol de um padrão, tomado como “único” aceitável). Tais questões também são contempladas no projeto de Rice, ainda que muita gente que assuma o desafio no facebook possa sequer conhecer, de fato, o projeto em si e achar que ele (o desafio) não passa de uma “brincadeira de corrente” entre amigos. Alguns exemplos de anúncios que tocam (por meio do choque) em questões de beleza que vão além do “make”:


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Mas, voltemos à peça publicitária, mote de nossas reflexões. Depois do momento central da propaganda, sua outra metade é destinada à apresentação dos produtos anunciados, momento em que uma mulher, já sem marca cultural identitária [podemos supor a brasileira, uma vez que a marca se volta a esse público e nicho de mercado, mas também podemos pensar na homogeneidade da beleza instaurada, de maneira padronizada – branca, magra, cabelos longos (só faltou serem loiros) e lisos, olhos grandes, lábios carnudos – que apaga marcas culturais e desrespeita a riqueza heterogênea da diversidade da(s) beleza(s)], passa pelo ritual de “pintar a cara”, como dito no questionamento anterior, promovendo a relação entre ela, que seguirá “se pintando” com os produtos de Natura Una, e a torcedora brasileira de “cara pintada”, apresentada nas primeiras imagens. Aliás, as expressões “pintar a cara” e “cara pintada” nos fazem viajar pelo tempo e remetem tanto ao ritual festivo de jogos (pela presença da torcedora de “cara pintada” apresentada no início da propaganda e pela expressão que tem sido muito veiculada pela mídia como típica da “guerra” esportiva) quanto à passeata dos “caras pintadas” de 1992, que conquistou o impeachment de Collor.

Ainda que tenha havido um deslize de sentido que modifica totalmente a expressão “cara pintada”, do universo político ao universo esportivo e, agora, ao da beleza, inevitável desconsiderar o cenário político brasileiro e pensar qual a relação entre tais mundos. Poderia ser considerado um ato político o de “pintar a cara”? Um ato ritual? Um ato guerreiro (como voltou a ocorrer nas manifestações, muito mais mascaradas que pintadas, mas também pintadas, em junho de 2013)? Talvez, a ideia seja a de cruzar esses universos e colocar a mulher como uma guerreira festiva (torcedora), mas, sabemos o quão diferentes são o ato de “pintar a cara” e sair às ruas para se manifestar e protestar (dando a “cara a tapa” a policiais etc), o ato de “pintar a cara” para torcer por um time e o ato de “pintar a cara” com maquiagem, como ocorre nas imagens da segunda metade do comercial. Podemos até remeter à guerra da beleza e da sedução, mas a esfera não é a mesma e os sentidos, completamente diferentes.

Estaria a Natura tentando atribuir sentidos diferentes ao ato de se maquiar para convencer a telespectadora de que esse não seria (ou não é) um ato simples de ritual de sedução e beleza, com argumentos precedentes calcados na história? Parece-nos que sim. E, de certa forma, guardadas as devidas proporções e com o devido cuidado, pintar o rosto é, de fato, um ato sócio-histórico-cultural. E, dependendo da cultura, do tempo e do espaço, não apenas feminino (como faz crer a peça publicitária pelos registros apresentados na primeira parte do comercial).

O ponto é: a peça publicitária transforma um “make” num ato político, guerreiro, festivo ao resgatar o caráter histórico do ato de “pintar a cara”, ao trazer, de certa forma, à sua telespectadora e às mulheres brasileiras, a justificativa “segura” acerca da “importância” e da “necessidade” da mulher se maquiar. Necessidade fetichista (Marx), calcada em exemplos de tempo-espaço e esferas distintas – basta comparar as pinturas da primeira e as da segunda parte da peça.

Na segunda metade do vídeo da Natura, a música tem um tom mais calmo e sereno e isso embala o “novo” jeito de “pintar a cara”, reinventado pela marca: o ato de se maquiar. Não uma maquiagem qualquer, mas sedutora (o batom é vermelho, os olhos são escuros e o olhar da modelo direto para a tela é um convite à telespectadora para que seja seu espelho – imagem e semelhança sócio-histórico-cultural da beleza e da feminilidade da mulher brasileira, “naturalmente” sensual) e de última geração (produzida com tecnologia de ponta, para uma mulher “antenada” ao seu tempo-espaço). Enfim, uma maquiagem Natura:


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A produção da peça é belíssima (aliás, as propagandas da Natura, em geral, são muito bem construídas), sutil, sem a apelação direta à venda imperativa (em momento algum há menção verbal explícita ao consumo dos produtos). Toda essa diluição faz com que quase nos esqueçamos do fato de se tratar da venda de um produto e de uma marca. Mas, como analistas que estudam discursos publicitários, sabemos que esse é o grande jogo e intuito da peça. Mais que isso, nós nos colocamos a refletir sobre a condição de ser mulher na contemporaneidade e, em especial, no Brasil, um dos países onde mais cresce o mercado de consumo de cosméticos (ultimamente denominados como “tratamento” – para alguém doente? A falta de maquiagem, a “cara limpa” revela um sujeito “doente”?) no mundo, segundo dados estatísticos, visto como filão para muitas marcas, estrangeiras e de renome internacional, inclusive, que passaram e têm passado, cada vez mais, a investir no país, dada a possibilidade de alta lucratividade. Com isso, pensamos sobre o que significa, no Brasil, ser mulher e a constante necessidade de se adequar e justificar perante a sociedade patriarcal em que vivemos.

Precisamos mesmo de maquiagem para sermos vistas como somos? Respeitadas como seres humanos? E, se quisermos usar maquiagem, isso faz de nós “fúteis”? Nada disso. Calcadas em Bakhtin, sabemos, o sujeito não tem álibi na existência e precisa assumir seus atos, sejam eles quais forem. Estar de “cara limpa” ou “pintada” não diz tudo sobre uma mulher porque ser mulher é mais que isso. Ser humano é mais que isso.

O desafio realizado a partir do projeto de Rice e que tem circulado com veemência nas redes sociais também nos fez pensar nessa questão, como um paradoxo à peça da Natura aqui brevemente analisada. Se, por um lado, a peça quer criar uma necessidade ilusória de que mulheres precisam “pintar a cara” para serem sujeitos sócio-histórico-culturais reconhecidos como tal; por outro, o desafio do facebook também construiu um sentido de que “mulher que é mulher não se esconde atrás da maquiagem”, mostra a sua face, limpa, a todos.

Claro que essa foi uma metáfora para pensarmos acerca do ato caraterizado pelo álibi de se esconder – não necessariamente atrás da maquiagem, mas também por meio dela. Não acreditamos que a questão seja usar ou não maquiagem, mas assumir-se, com responsabilidade. Ter postura e caráter. E isso vai muito além do “make”. Claro, esse ato de se assumir (com ou sem maquiagem, mas como sujeito que se constitui como alguém que é muito mais que um corpo produzido), sim, é um ato sócio-histórico-cultural como o colocado na primeira parte do comercial da Natura.

Os atos dos sujeitos fazem a história na história, de maneira viva. E, talvez, na contemporaneidade, as mulheres, com tanto bombardeio cosmético e plástico da indústria da beleza, para se assumirem e lutarem contra essa ditadura mítica artificial e homogeneizada, limpem seus rostos. Esse passa a ser, então, mais que um desafio internético, um ato político, muito mais próximo àquele realizado, em outra esfera e de outra forma, pelos “caras pintadas” das passeatas de 1992. Agora, o impeachment não se refere a um presidente, mas à indústria que quer incutir em nós uma necessidade artificial desnecessária e ao patriarcado que ainda impera e nos escraviza.

Não somos mais ou menos mulheres por estarmos ou não maquiadas. Até porque, somos mais que reles rostinhos bonitos! Nesse sentido, o que nos fica como desafio não é usar ou não maquiagem, mas pensar sobre o quanto ainda a mulher está fadada a ser vista como objeto e precisa se libertar de rótulos e assumir quem ela é, não por estereótipos, mas por pensar em sua postura como sujeito que, mais que indivíduo, vive e é constituído por signos ideológicos, na e pela linguagem, pela e na sociedade. Não uma sociedade qualquer, mas uma sociedade patriarcal. Ela pode até escolher servir ao paradigma machista, mas ela tem de assumir que essa escolha a coloca em dada condição, sem vitimização e, se não é isso o que quer, precisa se posicionar assumindo o bônus e o ônus de que ainda há muito a refletir, a lutar e a mudar, para além do que se espera de uma mulher, mas por ser mulher que pensa, escolhe e age de acordo com suas convicções e deve ser respeitada, seja a escolha feita qual for. Afinal, como bem respondeu Rice, ao ser questionada sobre a beleza: “Beleza não é o problema, é maravilhoso! Mas uma definição singular dela que, virtualmente, faz todas as mulheres se sentirem terríveis, é um problema”.

Somos todos belos em nossa humanidade “defeituosa”. E se não suportamos nos ver e que nos vejam como somos, há algo de muito errado que precisa ser repensado, não apenas em cada um de nós, mas também numa sociedade que incentiva e aplaude esse espetáculo dos horrores em que meninas tornam-se bonecas para se sentirem “princesas” e se tornarem celebridades instantâneas com tais atos, admirados por muitos. Numa sociedade narcísica, ainda precisamos do aval do outro. A questão é, que outro e que aval? Precisamos refletir sobre tais questões e que este breve texto possa servir como um ato de quem tirou a maquiagem e se expôs, como as autoras. Afinal, estar “de cara limpa” significa mais que tirar a maquiagem. Significa não se omitir de seus princípios, assumir suas posturas e “dar a cara a tapa” ao se manifestar, seja do jeito que for. Terminamos com uma citação (contra as normas da “boa” escrita padrão – exatamente por estarmos nos posicionando contra as homogeneidades) porque fazemos nossas, as reflexões apontadas por Bakhtin/Volochinov quando (em Marxismo e Filosofia da Linguagem, 1997, p. 46) afirma que “O ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata” e o que determina essa relação do ser no signo é “O confronto de interesses sociais nos limites de uma só e mesma continuidade semiótica, ou seja: a luta de classes”. Por isso, escolher como se constituir não é uma mera opção individual livre, uma vez que nossa “liberdade” esbarra na constituição da linguagem, que nos compõe e faz humanos (repletos de “makes” sociais).

[1] PAULA, L. d.; CARDOSO, A. P. L.. Nosso Ato Responsável. 1ª. ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2012. 596p.

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